A Lei nº 13.792/2019 e as alterações a deliberações de sócios de sociedades limitadas
Além do significativo número de Medidas Provisórias, Decretos e outros atos normativos editados pela nova Administração Federal para implementar suas propostas de governo, a primeira semana de 2019 trouxe a promulgação, pelo recém-empossado Presidente da República, de onze leis ordinárias aprovadas pelo Congresso Nacional no exercício de sua regular função legiferante. Dentre elas, a Lei n.º 13.792, de 3 de janeiro de 2019, publicada no Diário Oficial da União em 4 de janeiro, traz duas alterações ao regime de deliberação de sócios de sociedades limitadas estabelecido na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2012 (Código Civil).
A primeira reduz, mediante modificação do texto do parágrafo primeiro do artigo 1.063 do Código Civil (e o consequente ajuste ao artigo 1.076 do mesmo diploma, para fins de consistência), o quórum necessário para a destituição do sócio nomeado administrador no contrato social da sociedade. A aprovação da matéria deixa de exigir o voto favorável de sócios detentores de quotas representativas de, no mínimo, dois terços do capital social, passando a bastar o assentimento dos sócios detentores da maioria simples do capital social.
Por sua vez, a segunda alteração, implementada mediante a inclusão de ressalva no parágrafo único do artigo 1.085 do Código Civil, dispensa a realização de reunião para exclusão de sócio em sociedades formadas por apenas dois sócios. Com a primeira modificação referida acima, uniformiza-se em maioria simples o quórum de destituição de administradores de sociedades limitadas, sejam eles sócios (nos termos desta nova redação dada ao parágrafo primeiro do artigo 1.063 do Código Civil) ou não-sócios (nos termos do artigo 1.071, inciso III, do Código Civil).
Embora possa parecer que restaria ainda uma distinção entre o quórum de destituição de administradores, sócios ou não, nomeados em ato apartado (ora claramente estabelecido como sendo por maioria simples, nos termos dos dispositivos já citados), e o quórum de destituição de administradores, sócios ou não, nomeados no contrato social(tendo em vista que, nos termos do artigo 1.071, inciso V, combinado com o artigo 1.076, inciso I, do Código Civil, modificações desse documento exigiriam aprovação por no mínimo 75% do capital social) , a nova redação do artigo 1.063, §1º, permite dirimir a dúvida:
“Art. 1.063
(…)
§ 1º Tratando-se de sócio nomeado administrador no contrato, sua destituição somente se opera pela aprovação de titulares de quotas correspondentes a mais da metade do capital social, salvo disposição contratual diversa.” (grifamos)
Ademais, embora não haja, no Código Civil, uma disposição equivalente aplicável a administrador não-sócio, não seria razoável supor que o legislador teria invertido os quóruns e passado a exigir maioria de três quartos do capital social para destituir administrador não-sócio nomeado no contrato social (com base na combinação entre o artigo 1.071, inciso V, e o artigo 1.076, inciso I, do Código Civil), ao passo que a destituição de sócio administrador nomeado no mesmo instrumento poderia se dar por maioria simples do capital nos termos do dispositivo transcrito acima.
Resta claro, portanto, que o quórum específico para destituição de administradores, ainda que nomeados no contrato social, prevalece sobre a regra geral de quórum qualificado para (outras) modificações contratuais, bastando para tanto o voto favorável de sócios detentores de quotas representativas de mais de 50% do capital social de sociedade limitada.
Com relação a esta questão, vale mencionar ainda que, nos casos de sociedades limitadas constituídas anteriormente à promulgação da Lei n.º 13.792/2019, cujos contratos sociais façam remissão genérica aos quóruns de deliberação do Código Civil, será necessária alteração contratual para incluir previsão específica, caso os sócios pretendam manter a regra de quórum qualificado de aprovação para destituição dos administradores.
Já a segunda alteração trazida pela Lei n.º 13.792/2019 poderia parecer trivial à primeira vista, pois a desnecessidade de realização de reunião com um único sócio para decidir sobre a exclusão do outro sócio seria intuitiva – vez que, em linha com o disposto no artigo 1.074, §2º, do Código Civil, sócios não podem deliberar sobre assuntos em que tenham interesse direto. Há, no entanto, uma questão relevante a se considerar neste contexto: se a supressão da obrigatoriedade de realização da reunião para deliberação “unipessoal” pelo outro sócio, com a necessária convocação prévia, cercearia o direito de defesa do sócio a ser excluído por justa causa, prevista no trecho final do parágrafo único do artigo 1.085:
“Art. 1.085
(…)
Parágrafo único. Ressalvado o caso em que haja apenas dois sócios na sociedade, a exclusão de um sócio somente poderá ser determinada em reunião ou assembleia especialmente convocada para esse fim, ciente o acusado em tempo hábil para permitir seu comparecimento e o exercício do direito de defesa.” (grifamos)
Embora a eliminação deste rito nas limitadas detidas por dois sócios de fato restrinja a possibilidade de um sócio tomar ciência prévia e formal das circunstâncias que, na visão do outro sócio, justificariam a sua exclusão da sociedade, e de contestá-las em foro próprio previsto na esfera societária, na prática é improvável que os argumentos de parte a parte já não tenham sido aduzidos ao longo do esgarçamento da relação social, e que a realização de uma reunião, na qual o sócio cuja exclusão esteja sendo deliberada defenda sua posição, resulte na mudança de opinião do sócio ao qual caberá a decisão.
Assim, esta segunda novidade trazida pela Lei n.º 13.792/2019 apenas elimina uma etapa formal do processo de dissolução parcial das sociedades limitadas detidas por dois sócios, decorrente da exclusão de um deles, restando ao sócio excluído a possibilidade de recorrer ao foro judicial ou arbitral (se eleito) para contestar os fundamentos da suposta justa causa que embasou sua exclusão do quadro social.
Graciema Almeida